
Falar e escrever com o coração nas mãos é expressar-se de acordo com a própria alma. (Bento XVI)
Há meses, comecei a entrar em pequenos hiper focos: antes da Quaresma, meu tempo livre era investido nas séries coreanas; mais recentemente, minha mesa tem sido constantemente abastecida com pratos italianos. Percebendo essa influência internacional na minha rotina, lembrei-me de uma acusação que li outrora: “os Estados Unidos não têm cultura”, dizia alguém; em resposta, perguntaram-lhe “Diga-me quantos filmes e músicas você consome que não são de lá”.
E, quando estive em BH, me chamou à atenção o quanto não me segurava para falar de alguns assuntos com uma amiga. Era o exemplo perfeito de um argumento inutilizado no meu conto Tripolo, que seria mais ou menos assim:
— Já vi muitos aconselhando “Quando estiver em um encontro, escute mais do que fale.” Mas se os dois seguirem esse conselho, não vai ficar apenas um silêncio constrangedor? — perguntou o personagem problemático.
— Você parece um robô falando desse jeito… — disse sua conselheira. — Se você menciona um assunto que toca a alma da sua companhia, não há conselho que a segure de falar. É esse seu papel, encontrar esses pontos que a façam ignorar as receitas prontas e expor suas características mais profundas…
Uma introdução mais longa, mas que me cativa a falar sobre esses dois assuntos, aparentemente sem correlação: a paixão humana e a cultura.
O coração

“O coração, nos textos sagrados,” explica-nos Bento XVI, “significa o centro da existência humana, uma confluência da razão, vontade, temperamento e sensibilidade, onde a pessoa encontra a sua unidade e orientação interior”.
Escrevo este texto depois de voltar do bar com meus colegas de trabalho, e no caminho de volta, vieram-me duas inspirações: uma, de um personagem meu vendo a mulher mais bonita de sua vida, comparando-a à Deusa Afrodite; a segunda, ainda mais viva, foi a necessidade que a veia artística imprimiu em mim: gastar combustível a mais simplesmente para admirar um pouco mais esses postes, que iluminavam essa nuvem de fumaça, em busca das palavras certas para descrever essa visão estranhamente agradável, dos feixes de luz claramente definidos.
Escrevi há umas dias sobre a alma do artista, e é nesse ponto que tudo se conecta: mesmo com eu incansavelmente dizendo sobre a necessidade de embelezar o mundo, há uma beleza oculta, que Deus colocou em minha essência e na de muitos outros: a capacidade de alegrar-se com um poste e fumaça, simplesmente por uma composição que me fez sentir-me no corredor anterior à audiência de um rei, iluminado por velas e coberto de incenso. O coração humano guarda um tesouro, uma alma única desejada por Deus e ansiosa por amar e ser amada por como ela é.
A cultura

Em um Círculo do Opus Dei, aprendi que existe uma miríade de Anjos, a serviço de tudo quanto se possa imaginar, e que até mesmo os países possuem anjos “da guarda”. Essa imagem me impressiona, pois parece encarnar a ideia de que um país possui uma alma tão autêntica quanto um ser humano.
E creio que, usando essa figura de linguagem, é essa a essência da cultura: o coração de uma nação que anseia por expor o que ela tem de melhor. Me impressiona ainda mais a variedade que essa interpretação oferece: um país como a Itália, estereotipada por cidadãos que falam com as mãos, apresenta uma das culinárias mais simples, focada mais na qualidade do que no excesso de temperos; o Brasil, um país continental e com todo tipo de gente, cria pratos fartos, calorosos e dos mais variados (desde ao cuscuz salgado e seco do Nordeste aos caldos de aparência questionável do Norte). É como uma símile do mundo, em que cada pessoa é única, cheio de imprevisibilidades.
Enfim…
Digo isso tudo porque creio que essa discussão aponta para descobrir porque lemos livros, porque consumimos entretenimento audiovisual, porque criamos receitas elaboradas etc. Me parece uma tentativa inconsciente da nossa alma de descobrir a si mesma, buscando todo tipo de referência e expressão dos outros, em busca daquilo que mais a toca. No processo, é óbvio que será necessário podar um pouco: cortar as raízes da apatia ou da impaciência, refinar o gosto pelas artes, tudo isso para dar espaço à beleza escondida.
Só tenho a agradecer a Deus, foram alguns dos reais mais bem gastos o de admirar as luzes de São José.
Pax et bonum, fratelli!