Adolescência

Judicialmente, a paternidade te torna responsável pelas ações de outro indivíduo.

No que mais ela cobra?

Minutos depois de assistir ao final de Adolescência, a febre do momento na Netflix, vim aqui escrever sobre ela. Ainda consumirei alguns comentários, como o do Jurandir (por confiança no trabalho dele) e do Saulo (por recomendação), mas quis vir aqui dar meu pitaco sem influência, pelo menos no máximo que pude evitar.

Não sou versado para opinar sobre paternidade ou vida conjugal, só estou aqui porque essa minissérie mexeu comigo de um jeito único. Por isso, peço paciência adiantadamente pelo tamanho da resenha. Mas, parafraseando uma amiga (à qual peço desculpas por não lembrar as palavras exatas), o hiperfoco de alguns pode se tornar música para o ouvido de outrem. Então, a quem interessar, mergulhemos juntos nessa história!

Primeiramente, sobre a sétima arte!

Há poucas semanas descobri a existência da palavra “plano-sequência”, e como me alegra que isso tenha acontecido antes de ver essa série! Porque de todas os possíveis detalhes que as pessoas têm destacado (atenção aos filhos, celulares, bullying), apenas o conhecimento dessa palavra me fez reparar na falta de cortes durante as cenas, e que isso moldou toda a minha experiência ao assistir. Pois embora todos esses assuntos tenham obviamente ficado no fundo da minha cabeça, apenas essa técnica já fez um truque em meu cérebro, o qual pensava “Isso tudo é real; não é apenas uma história, onde o narrador escolhe o que contar. É um mundo próprio, complexo, que existe em todos os cantos, do qual vemos apenas alguns recortes e que, com todos esses problemas, ainda existe ‘equilibrado'”. Mas essa questão da complexidade social fica para um próximo parágrafo.

Disse que essa série mexeu comigo de um modo único, e há dois motivos para isso:

Admiração e desconforto

Até hoje mantenho como claros dois filmes que posso falar “São Arte, mas tenho que ser cauteloso ao assisti-los”: Coringa e Oppenheimer. Tudo nesses filmes é incrível, mas que eles provocam sentimentos que prefiro evitar, provocam. Adolescência teceu a divisória entre os filmes que admiro (Forrest Gump, Flipped, It’s a Wonderful Life…) e esses que me trazem um desconforto. Porque ao mostrar a tensão real de um mundo que confronta a possibilidade de um adolescente assassino e como isso afeta famílias, amigos, escola… é óbvio que deixará alguns apreensivos. Mas tudo a que a série passa precisa ser visto, especialmente pelo fato de que todos ali estão tentando fazer a coisa certa…

A luz da lua e o iceberg

Cherteston disse, em Ortodoxia, que o homem precisa de uma dose de mistério para compreender o divino do mesmo modo que precisa da lua para ver a luz do sol sem se queimar. E Hemingway disse que o bom escritor deixa grande parte da história escondida, mas de modo que o leitor consegue captá-la nas entrelinhas.

Trouxe esses comentários por conta de um detalhe: a série possui apenas quatro episódios, mas há tantos personagens que, a meu ver, poderiam expandi-la para quase vinte: o policial que prende Jamie, a amiga da adolescente assassinada, a psicóloga… Todos esses personagens, nos poucos momentos em que aparecem, já mostram uma profundidade que poderia ser ainda mais explorada. Mas o diretor/roteirista, num toque de mestre, assim como o diretor de Doze homens e uma sentença, consegue compreender tão bem seus personagens que, com essas poucas cenas, já conta tudo que precisamos para extrapolar o que está escondido abaixo d’água e detrás da lua. Não precisamos saber se Jamie ou se o Porto-riquenho serão condenados ou se eles são de fato culpados, não é esse o intuito das obras.

De boa intenção…

Nunca vi essas frases em pregações de padres ou santos, mas creio que não há nenhuma heresia na fala da Ir. Calderón ao dizer: “Os corações raramente são puros mas, do mesmo modo, eles raramente são impuros… E não se preocupe tanto com seu coração. As ações conduzem, e o coração segue… Aposte que o amor existe, e faça um ato de amor.”

Com isso, quero falar sobre a sociedade em Adolescência e, na medida do possível, sobre a nossa.

Já ouvi várias vezes da Direita sobre como a sociedade está doente. Não o nego, mas tampouco me vejo em condição de dar um diagnóstico como esse. E cenas da série com jovens que preferem filmar uma briga ao invés de apartá-la, o medo dos pais em ter autoridade sobre os filhos… só reforçam que talvez não estejam errados.

E não vejo nenhum dos personagens como maus, nem mesmo Jamie. Todos eles vivem num mundo brutal, e estavam tentando viver de acordo com a noção que tinham, buscando algum bem. Mas isso só me fez lembrar do ensinamento de uma senhora e mãe muito querida: o pai deve saber que dentro do seu filho há um monstrinho que deve ser domado, ou ele só crescerá. Todos nós temos luz e trevas dentro de nós, é nosso dever reconhecê-las para afastar as trevas e ser só luz. A responsabilidade social do pai é apenas um reflexo desse dever que ele tem não apenas com a comunidade, mas com a alma do seu filho: se ele não for orientado a conter esse monstrinho, ele achará um jeito de crescer e culminar em algum mau, seja para o filho, para a família, ou a um próximo.

Enfim, a sociedade…

Diante dessa complexidade do ser humano (adolescentes em luto ou preocupados apenas com seus status, adultos fazendo malabarismo para obter justiça e garantir o futuro da sua família), o que fazer? Há as medidas políticas, educacionais e sociais para tentar conter e prevenir ao máximo os eventuais surtos que perturbam o aparente equilíbrio social em um nível coletivo.

Mas, no fim das contas, o que nos resta enquanto indivíduos é combater o mal que há em nós mesmos. Em casos de tragédia, exercitarmos a compaixão (não apenas simpatizar com a dor do outro mas, dentro do possível e não invasivo, procurar ajudar como se a dor fosse nossa). E, como a série procura alertar aos pais, ter um cuidado mortal com os filhos, pois são nossa responsabilidade enquanto ainda estão se desenvolvendo. É dificílimo, mas assim como a justiça, o aprendizado, muito custa aquilo que muito vale.

Pax et bonum, fratelli!

About the author

Sou engenheiro e escritor. Faço artigos compartilhando meu processo criativo, reflexões pessoais e escrevo resenhas sobre os livros e filmes que vejo.

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