
Entre as várias de histórias de judeus que sobreviveram aos campos de concentração, a de Viktor Frankl deve ser a mais famosa, lhe rendendo milhões de vendas pelo mundo inteiro.
Em busca de sentido é uma obra de duplo papel: além de ser mais um dos relatos sobre os campos de concentração em Auschwitz, Dachau e outros, Viktor Frankl busca elaborar um pouco sobre os seus estudos da psicologia humana, os quais eventualmente lhe renderiam toda uma abordagem terapêutica: a logoterapia.
Uma abordagem existencial
Embora judeu, Frankl pegou emprestado um trecho do Evangelho segundo São João para elaborar sua abordagem: “No princípio era o Verbo (λογος), e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus.” Neste post, a Débora introduz um pouco sobre como essa noção de Deus como o Logos, ou a Razão, contribui para o desenvolvimento da ciência, deem uma olhada! Porém, há uma frase que ela destacou e que permite adentrarmos na abordagem do Frankl: “…acreditavam em um universo com propósito.”
Aí está o cerne da Logoterapia: todo ser humano, na sua individualidade, tem um propósito, um motivo para sua existência; se ele não for descoberto, o homem se torna uma criatura confusa, suas atitudes não parecem levá-lo a lugar nenhum… Porém, se esse homem conhece esse propósito e converge suas energias para ele, nenhuma barreira é intransponível, ele ainda tem porque seguir em frente.
As cercas externas
Comida racionada, trabalho escravo, constantes agressões… Esse era o cotidiano de um judeu por meses ou anos a fio durante a Segunda Guerra; todo mundo tem uma noção. Olhando para isso, é complicado pensar que o simples fato de ter um propósito, uma pessoa ou objetivo maior poderia tornar uma pessoa resistente a essa constante humilhação, sem perspectiva de ser liberto.
Frankl elabora sua tese a partir desse raciocínio e de uma frase de Dostoiévski: o homem nada mais é do que a criatura que se acostuma com tudo. Na nossa vida cotidiana, embora exija muito esforço, qualquer um de nós é capaz de seguir uma dieta, fazer exercícios e trabalhar bem. Mas quantos conseguem consistentemente manter esses três hábitos por toda a vida? Se alguém tenta fazer isso sem um objetivo em mente (mudarei meus hábitos ou minha velhice será um constante sofrimento; trabalharei bem ou ficarei facilmente numa posição de vulnerabilidade), é fácil desistir no meio do caminho…
O propósito, a força de vontade ou autodeterminação — chame como preferir — tem um poder subestimado sobre o homem, pois está relacionado a um aspecto de sua essência, inexistente nas outras criaturas: a liberdade! O homem pode escolher fazer males para si (alimentação irregrada, sedentarismo, sexualidade descontrolada…) ou para os outros (oportunismo, egocentrismo…), mas também pode escolher fazer o bem. Independente da sua escolha, ele colherá os frutos de suas atitudes e viverá com elas na memória ou, ao menos, na sua personalidade e no seu caráter.
Esses sofrimentos externos, por mais doloridos que sejam, só podem atingir o ser humano na medida em que ele o permite. E essa permissividade é que molda uma pessoa capaz de enfrentar qualquer dificuldade. Vi isso concretamente mais de uma vez: conversando com alguns moradores de rua, eu e alguns colegas os oferecemos comida, e alguns até repetiam; como tínhamos de sobra, oferecíamos até que eles ficassem satisfeitos, e mais de uma vez eles se recusaram, dizendo: “Guarde para quem precisa.” Mesmo homens e mulheres sem casa, muitas vezes sem família, passando frio e fome, ainda assim tem um coração generoso e que oferece o pouco que têm ao próximo. Não há obstáculo que tire essa característica enquanto o indivíduo não permitir!
Palavras fáceis

É muito fácil apontar o dedo a qualquer um que simplesmente dissesse “Uma pessoa determinada, consciente de que sua vida tem um propósito, poderia sobreviver aos nazistas”; quem possuiria uma virtude heroica e uma sorte constante para não ser enviado às câmaras de gás? Por isso, creio que tenha sido providencial que tenha sido o próprio Frankl a dizer essas palavras; ele viveu na pele o horror dos campos de concentração, mas admite a sua sorte. E certamente havia pessoas com virtudes heroicas e que não tiveram a mesma sorte de sobreviver, ou escolheram não fazê-lo, como São Maximiliano Maria Kolbe.
O intuito de Frankl não foi o de se gabar da sua abordagem terapêutica, como se ela fosse a responsável pela sua sobrevivência. Mais do que isso, quis relatar como a sua abordagem, que mudou o rumo da vida de seus pacientes, foi capaz até de sustentá-lo durante anos de tortura, impedindo-o do suicídio, de tornar-se um capo, enfim, de não abrir mão de sua missão.
Conclusão
Levei muitos anos para assimilar o valor da História, mas até hoje ainda tenho uma resistência, uma falta de vontade em estudá-la. Por isso, muitos dos trechos em que Frankl apenas relata o que acontecia nos campos de concentração não me interessavam tanto. Porém, quando esses trechos foram acompanhados por um fator psicológico, uma análise sobre o que o inspirava a seguir dia após dia, isso sim me deixou mais aberto a ouvi-lo.
Para quem quiser ver uma visão dos campos de concentração, seu efeito no homem, e ainda tirar uma lição (ou uma pergunta) para o resto da vida, Em Busca de Sentido é uma ótima pedida! Para os interessados na História, Maus complementa muito bem!
Pax et bonum, fratelli!